quarta-feira, 27 de junho de 2012

UMA REFLEXÃO, COM ÊNFASE EM SEUS ASPECTOS JURÍDICOS, SOBRE A SITUAÇÃO NA USP


USP: PROCESSOS INQUISITIVOS PARA ELIMINAR ESTUDANTES E TRABALHADORES. 
Rafael dos Santos, direito Unesp Franca

A Reitoria da Universidade de São Paulo (USP), através de portarias internas sequer publicadas no Diário Oficial do Estado, decidiu instaurar processos administrativos disciplinares contra mais de 50 discentes da referida universidade em razão da ocupação do prédio da Reitoria em 2011. Esses processos se somam a um sem número de outras sindicâncias e processos administrativos contra estudantes e dirigentes sindicais da USP que questionam a gestão privatista do Reitor João Grandino Rodas.
Esses processos administrativos são parte de uma ampla teia de mecanismos jurídico-políticos preparada minuciosamente pela Reitoria e seu corpo de procuradores com o objeto de eliminar da universidade todos aqueles que levam a frente as resoluções aprovadas nos legítimos espaços de deliberação dos estudantes e trabalhadores da Universidade. Tais processos, na contramão dos mais elementares princípios processuais da ampla defesa e do contraditório, são verdadeiros procedimentos inquisitivos onde o órgão acusador se confunde com aqueles que julgam, pois é o próprio Reitor, maior interessado no afastamento dos estudantes, quem indica os nomes que irão compor a comissão processante. Como se não bastasse, os processos se prolongam no tempo e são concluídos a bel prazer das comissões processantes, em flagrante desrespeito a legislação brasileira, tornando-se verdadeiras aberrações jurídicas que assombram os estudantes processados ao longo de toda sua graduação.
Além disso, no que diz respeito aos trabalhadores da USP, é de conhecimento público no movimento sindical nacional que a Universidade de São Paulo, na figura do atual Reitor João Grandino Rodas, despreza por completo a própria legislação trabalhista quando se trata de perseguir os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP). O caso mais notório foi a demissão de Claudionor Brandão, diretor do SINTUSP. A USP não respeitou a estabilidade prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para os dirigentes sindicais e demitiu Brandão após um obscuro processo administrativo, onde o principal argumento para seu afastamento foi o apoio às reivindicações dos trabalhadores terceirizados que realizam o serviço de limpeza da USP. Atualmente, evidenciando que se trata de uma nítida política persecutória, todos os diretores plenos do SINTUSP sofrem processos administrativos cuja pena pode ser a demissão por justa causa.
“O Tribunal do Santo Ofício da USP”
No despacho em que instaura os processos administrativos contra os estudantes o Reitor toma os fatos narrados no Boletim de Ocorrência lavrado no dia da desocupação do prédio da reitoria como motivação para a abertura dos processos administrativos tendo em vista que os fatos contidos no Boletim seriam considerados faltas graves. Ou seja, um instrumento administrativo realizado unilateralmente pela polícia, ausente de contraditório e ampla defesa, onde não esta sequer individualizado quem são os possíveis “infratores”, é tomado pela Reitoria da USP como elementos suficientes para abertura de processo administrativo cuja pena máxima é a eliminação dos quadros da universidade.
Ainda na portaria, o Reitor fundamenta a abertura do processo tendo em vista “que tais atos constituem, em princípio, infração disciplinar de natureza grave”. Logo depois de expressar literalmente sua posição quanto à verossimilhança das acusações o mesmo Reitor indica três nomes que irão participar da comissão! Fica claro que se trata de um arremedo de processo onde os resultados já são conhecidos pela comunidade acadêmica. O Reitor investiga, acusa, julga e pune. Uma verdadeira afronta a qualquer processo que se proponha ser justo.
Também vale a pena destacar as horripilantes e medievais conclusões a que chega a procuradoria da USP em parecer que acompanha os autos do processo. Entre um lamaçal de mentiras e calúnias contra os estudantes se destacam algumas passagens que ilustram bem toda a concepção retrógrada, elitista e antipopular da Reitoria da USP e de seus órgãos. Em uma passagem que chama bastante a atenção o procurador defende medidas disciplinares contra os alunos, pois estes foram permissivos “quanto a entrada de pessoas estranhas à instituição e nos prédios públicos”. Em termos bem claros a burocracia acadêmica da USP, uma instituição pública, pretende impor a mais alta sanção prevista em seu regimento disciplinar, pois seus alunos permitiram a entrada de pessoas no referido espaço! Em qualquer outro lugar do mundo em que se faça valer os mais mínimos princípios democráticos essas acusações pareceriam um absurdo, mas infelizmente na USP de Rodas elas são reais e podem levar a eliminação de estudantes do quadro da universidade.
Ainda no parecer, os procuradores finalizam seu teatro de horror com palavras que poderiam facilmente ser retiradas dos atos institucionais outorgados pelo regime militar: “Em uma época em que os valores morais são deixados ao largo, como se nada representassem, pertine reacender, no âmago da coletividade, a chama da honestidade, da lisura e da moralidade”. Essas palavras, que em outras épocas foram tantas vezes utilizadas para justificar torturas e supressões de direitos civis, agora são reproduzidas pelo corpo de procuradores da USP como fundamento para perseguição aos que fazem política no seio da universidade.
USP: Da repressão da Ditadura à repressão de hoje!
Se do ponto de vista da forma os processos administrativos parecem verdadeiros tribunais do santo ofício de épocas medievais, no que diz respeito ao conteúdo em que se fundamentam são ainda mais antidemocráticos e com claro caráter de perseguição política, pois são amparados pelo Regimento Geral da USP, Decreto 52.906/1972, um documento jurídico retirado das entranhas do regime ditatorial brasileiro.
O Regimento Geral da USP, e em especial sua seção que prevê o regime disciplinar, é um documento que causa indignação a todos aqueles que compartilham da luta contra os resquícios do regime militar que continuam impregnados nas instituições públicas até hoje. Uma simples interpretação gramatical desse Decreto bastaria para visualizar sua flagrante inconstitucionalidade. Entre umas e outras barbáries, esse regimento dispõe:
Artigo 250 - Constituem infração disciplinar do aluno, passíveis de sanção segundo a gravidade da falta cometida:
VIII - promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares;
A Constituição Federal, no ápice da pirâmide normativa, dispõe no título sobre os direitos e garantias Fundamentais, de maneira completamente distinta:
Art 5º
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
A discrepância entre o texto constitucional e a regimento da USP é visível para qualquer um. Há inúmeros outros exemplos de inconstitucionalidades no texto do Decreto de 1972, como a proibição da colagem de cartazes! A manutenção desse texto, que dá fundamento para todas as ações persecutórias realizadas nos últimos aos na USP, é uma verdadeira afronta aos princípios democráticos.
Não há provas de danos ou qualquer coisa próxima a isso. Todas as acusações para a eliminação dos estudantes são feitas em base única e exclusivamente a um texto que no passado foi utilizado para perseguir e prender jovens estudantes da USP ao longo da década de 70
É preciso uma grande campanha contra a perseguição política na USP 
Por fim, no que diz respeito ao ato em si praticado pelos estudantes pelos estudantes, vale destacar que a ocupação dos prédios públicos é um ato político legítimo do movimento estudantil, como inclusive destaca recente despacho de Mauru Iuji Fukumoto, juiz da Vara da Fazenda Pública de Campinas:
“E, de fato, a ocupação de prédio público, é tradicionalmente uma forma de protesto político, especialmente para o movimento estudantil, caracterizando-se, pois como direito à livre manifestação do pensamento (art 5º, IV, Constituição Federal) e do direito à reunião e associação (incisos XVI e XVII do art 5º)”.
Desse modo, fica claro que a ocupação da Reitoria da Universidade, assim como da Administração da faculdade de filosofia, letras e ciências Humanas da USP foram formas legítimas de manifestação política que não justificam qualquer abertura de processos ou sanções.
Diante do exposto é de suma importância que todos aqueles que compartilham da luta pelas liberdades democráticas e os direitos fundamentais se manifestem contra essa intentona de ataques políticos contra estudantes e trabalhadores que defendem o caráter público da Universidade. Juristas, profissionais e entidades dos direitos humanos devem auxiliar no rompimento do silêncio para que toda a população brasileira saiba que na USP os estudantes e funcionários que defendem os interesses dos trabalhadores e do povo pobre dentro da maior instituição de ensino superior do país são duramente perseguidos.

Um comentário:

  1. Acompanhem também o BLOG processados da USP: http://processadosnausp.blogspot.com.br/

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