sexta-feira, 2 de novembro de 2012

CUBA: O QUE HÁ POR TRÁS DA NOVA REFORMA?


Por: Diego Dalai (traduzido do site do PTS, organização irmã da LER-QI na Argentina).
1º Novembro de 2012


Nas últimas semanas o governo cubano fez importantes anúncios em matéria de política migratória. Decidiu afrouxar os requisitos para viagens ao exterior, pois os que se exigiam até então eram quase impossíveis de se cumprir. A partir de 14/1/13 só será necessário retirar o passaporte (o que é claro, o Estado se reservará o direito de outorgá-lo). Logo depois anunciou o fim da proibição para entrada temporária para os exilados residentes nos EUA que estão fora, legal ou ilegalmente, há mais de oito anos. 
As medidas são parte do chamado plano de “atualização” do modelo socialista e tem um alto conteúdo político. Em primeiro lugar são uma concessão à ala moderada do “exílio cubano” (1) que a partir de agora terá uma incidência ainda maior do que já tem na vida social e econômica de Cuba e favorece diretamente aos cubanos que recebem ajuda de familiares dos EUA e que por tanto têm acesso ao dólar. 

A tentativa de fortalecer uma base social própria.
Junto a outras reformas que o governo vem adotando (com o apoio de Fidel Castro, desde que este se retirou do governo) seguindo os “delineamentos da política econômica e social” votados pelo partido comunista em Abril de 2011, com um grande incentivo ao “trabalho por conta própria” ou entrega massiva de terras aos camponeses particulares, a burocracia trata de criar uma base social que apoie uma abertura pró-capitalista, mas sob sua direção. O modelo que Raúl Castro tem reivindicado é similar ao aplicado na China e no Vietnã, que combina aberturas ao mercado e ao capital imperialista, mantendo o regime de partido único conduzido pela casta burocrática cada vez mais enriquecida e ligada ao capital.
A eliminação das restrições também era uma exigência de amplos setores internos, sobretudo, os mais acomodados, ainda que não exclua uma ampla maioria. Isto se expressava nas reivindicações de figuras intelectuais e artistas como foi o caso de Esteban Morales ou Silvio Rodriguez e havia sido discutida em reuniões prévias e no próprio VI Congresso onde se aprovaram as “diretrizes” para “atualizar o modelo” em chave restauracionista. 
Dessa forma, manipulando um direito democrático cerceado durante décadas, o governo tenta se aproximar de setores que apoiem sua continuidade à frente do Estado e lhe permita constituir-se em uma nova classe proprietária, aproveitando sua posição à frente do aparato produtiva, financeiro, do turismo e do comércio exterior, a maior parte controlada pelas Forças Armadas Revolucionárias -FAR- (2). 

Uma mudança para “normalizar” a relação com os EUA.



Por outro lado, o governo de Raúl, desde que assumiu em 2006 defendeu abertamente sua disposição a negociar “sobre todos os temas” com os EUA desde que “em igualdade de condições”. A Casa Branca sistematicamente respondeu que deve haver “mudanças reais” no regime político e no sistema econômico, para modificar sua política em relação a Cuba e abrir um caminho até o restabelecimento de relações bilaterais “normalizadas”.
Por isso, as novas medidas são um gesto importante no caminho à “normalização” das relações com a emigração e, por essa via, com o próprio EUA e também são bem vistas pela igreja, agente do imperialismo que se coloca como mediadora e defende uma “reconciliação nacional” com os emigrados. Não é casual que as medidas foram decretadas 20 dias antes das eleições presidenciais americanas, contribuindo com Obama em um Estado historicamente elementar para se definir as eleições, como a Flórida. A política de Obama para Cuba colocou fim aos aspectos mais agressivos das políticas de George W. Bush, mas manteve o essencial na política de estrangulamento econômico (Bloqueio econômico), na reacionária política emigratória (3) e o mínimo contato diplomático com o governo cubano (que publicamente só se dá pela intermediação coma igreja cubana) chantageando-o com exigências de “mudanças concretas”. As medidas do governo cubano são de fato uma concessão aos EUA que busca favorecer a posição do atual chefe da Casa Branca.

Atenuar a crise, avançar na Restauração. 



As Medidas tomadas por Raúl Castro, que sempre contou com o apoio de Fidel, também tem muita importância desde o ponto de vista econômico. No marco da crise internacional e dos graves déficits na sua estrutura econômica, Cuba necessita aprofundar o intercambio e o fluxo de divisas provenientes dos Estados Unidos.  
Para que tenhamos ideia da importância econômica que tem essa relação para Cuba (apesar do bloqueio econômico em vigor desde 1962), lembremo-nos de alguns dados: cerca de 30% dos cubanos dependem do dinheiro que seus parentes enviam dos Estados Unidos. Essas remessas de dinheiro superaram em 2011 a marca de dois bilhões de dólares e estão entre as principais fontes de financiamento do Estado cubano. Uma grande parte dos lucros com o Turismo (pilar da economia desde os anos 90) é proveniente dos EUA, país de onde vêm 20% dos turistas de Cuba. O afrouxamento da política migratória poderia ter um impacto positivo na economia através de um novo impulso ao turismo, área na qual a burocracia vem fazendo os maiores investimentos desde que Raúl chegou ao poder (tudo sob a administração direta das FAR) e, como foi dito, no fortalecimento dos setores com acesso ao dólar.
Por isso, as novas medidas são parte da “atualização do modelo” que, através de duros ajustes sobre a massa, o incentivo ao trabalho por conta própria e a tentativa de atrair mais investimentos estrangeiros, vão reforçando as bases para a restauração capitalista.

Abaixo o Bloqueio Imperialista



Durante os primeiros anos da revolução cubana os Estados Unidos tentaram derrotá-la mediante a agressão militar, como em abril de 1961 com a tentativa de invasão pela Bahia dos Porcos, derrotados em 3 dias de combates pelas milícias revolucionárias. Sob a ameaça da agressão direta poderiam se justificar medidas excepcionais como restringir e controlar ao máximo a entrada e saída do país. Posteriormente os EUA se orientaram para uma “guerra silenciosa” baseada no criminoso bloqueio econômico e, ainda que ocorressem ações agressivas, como sabotagens e atentados, o perigo de uma invasão militar aberta se distanciou do cenário imediato. Todavia, a burocracia castrista utilizou o bloqueio e ameaça imperialista para justificar o reforço das restrições como parte dos instrumentos do regime de “partido único” para disciplinar a população, impedir protestos, reprimir qualquer tentativa de organização por fora do Partido Comunista (PC) e suas “organizações de Massas” e afogar as críticas, inclusive da esquerda.
O regime de partido único e os privilégios da burocracia impostos pelo regime castrista se baseia em cercear as massas e limitar seu papel ao apoio às decisões que toma a direção. Está orientado a afogar qualquer iniciativa independente do aparato burocrático e tem restringido historicamente os direitos democráticos elementares como o de reunião e manifestação, entrar ou sair do país, de organizar-se de forma independente ou o direito à greve. Isto permite ao imperialismo e a reação interna, como a Igreja católica, levantar os direitos democráticos como bandeira para encobrir seu objetivo de restaurar o capitalismo e subordinar o país ao grande capital imperialista.
Por isso, a luta contra o criminoso bloqueio imperialista e pela defesa das conquistas que, ainda que cada vez mais degradadas, sobrevivem desde a Revolução são parte da luta por uma revolução política que acabe com a burocracia e seu regime de partido único e imponha um governo operário e camponês baseado nos conselhos operários, camponeses e soldados com plena liberdade para os partidos que defendam a revolução. Somente as massas mobilizadas, autodeterminadas e auto-organizadas podem por em pé um regime revolucionário que ponha freios ao desastre que tem levado a burocracia. Este novo regime, apoiado na mais ampla democracia operária, reverterá as medidas pró-capitalistas, começando por acabar com os privilégios da casta governante, e colocará Cuba no caminho que a transforme na trincheira da revolução latino-americana.
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Crise Econômica, medidas contra os trabalhadores e restauração capitalista.
A crise econômica internacional vem pressionando há anos a economia local principalmente através da queda dos preços do níquel (responsável pelo segundo maior ingresso de divisas em Cuba), aumento dos preços dos alimentos (Cuba precisa importar 80% dos alimentos que consome, sendo o principal gasto em dólares) e a escassez de crédito. O que tem evitado a bancarrota da economia, de 2008 até aqui, é o financiamento, por diversas vias, por parte da Venezuela (primeiro sócio econômico desde 2003). Em primeiro lugar, o petróleo subsidiado que cobre 50% da demanda nacional. E em segundo lugar o pagamento pelos serviços de profissionais da saúde e educação (existem cerca de 30.000 profissionais cubanos na Venezuela).
A China tem sido outro grande parceiro comercial de Cuba (o segundo desde 2006). Fornece manufaturas, maquinário (bicicletas, ônibus e eletrodomésticos) e peças. Por sua vez, se transformou no principal importador de níquel (Cuba é o maior exportador mundial), e investidor chave desse importante setor da economia local. 
Em menor medida, ainda que estrategicamente mais importante, há entrada de capitais brasileiros centralmente através de investimentos no Porto de Mariel (a poucos quilômetros da cidade de Havana) e em produtos de baixo valor agregado como biocombustíveis (apesar da retórica de Fidel contra esse moderno ramo da economia).

Medidas contra os Trabalhadores



Junto a tudo isso, desde 2008 o governo de Raúl castro empreendeu uma série de reformas e ajustes que tem contribuído para evitar o naufrágio da economia. Do ponto de vista estritamente financeiro, reduziu o grande déficit fiscal através da eliminação de subsídios para distintos setores da economia e o desligamento de algumas atividades que passaram da órbita estatal para a privada (trabalho por conta própria), uma importante redução da “caderneta de racionamento” (que cobria ao redor de um terço das necessidades mensais de uma família média) e a demissão de dezenas de milhares de trabalhadores estatais (o plano original era despedir 500.000 empregados até 2013, mas precisou ser revisado dilatando o prazo para sua aplicação tendo em vista o grande descontentamento que gerava entre amplos setores).
Para evitar a paralisia econômica e a miséria de centenas de milhares de habitantes se estimulou o desenvolvimento do trabalho por conta própria a uma escala nunca vista desde 1959. As atividades econômicas (profissões) habilitadas para o trabalho autônomo saltaram de umas poucas dezenas a quase 200. Os pouco mais de 100.000 cubanos que exerciam esta forma de trabalho independente se triplicaram superando a marca de 300.000 que hoje estão legalmente habilitados para praticar algum tipo de atividade lucrativa. Foi permitida a venda atacadista de produtos para a construção por fora das lojas estatais e se legalizou a contratação de empregados. Desde 2010 começou a entrega (em usufruto, ou seja, mantendo formalmente a propriedade estatal) de terras produtivas ociosas a camponeses individuais. Este processo segue se aprofundando criando uma casta de camponeses acomodados que tendem a se enriquecer e pressionar por mais reformas de mercado, enquanto vão se entrelaçando paulatinamente com a burocracia como sócios necessários. 
Tudo isso deu certo dinamismo aos setores mais acomodados da sociedade, sobretudo aqueles com acesso a dólares e que por isso podem fazer certos investimentos em pequena escala para este tipo de atividades.


Notas
1- Formados por dezenas de milhares de burgueses, militares e a classe média acomodada, que, com suas famílias se refugiaram nos EUA (particularmente em Miami) depois da revolução e cujos descendentes reivindicam as propriedades expropriadas. Nos seus primeiros anos foram “bucha de canhão” da CIA em suas ações contra revolucionárias. Hoje os setores moderados que estão a favor de negociar com a burocracia são amplamente majoritários
2 – Forças Armadas Revolucionárias, conduzidas historicamente por Raúl Castro e coluna vertebral do exército cubano. Desde os anos 80 vem adquirindo cada vez mais espaços na economia. Nos anos 90 isto deu um salto e segue crescendo até hoje quando controlam 80% do comércio exterior e, em associação com capitais estrangeiros, as empresas mais importantes do país, representando 40% do PIB. Constituem desta forma o principal agente da restauração capitalista.
3- Washington sempre fomentou a imigração ilegal, combinando o não cumprimento dos acordos de concessão de vistos, com a aplicação da lei de “Ajuste cubano”, pela qual todo cubano que toque o solo americano depois de escapar da ilha ou solicite asilo político recebe automaticamente o direito a viver e trabalhar nos EUA.

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