sábado, 10 de novembro de 2012

UM NOBEL DE LITERATURA (O MAOÍSMO E O TROTSKISMO FRENTE A ARTE)


Um comentário a propósito do escritor chinês Mo Yan

Demian Paredes ( Traduzido diretamente do Blog do Instituto de Pensamento Socialista -IPS- "karl Marx")



A recente entrega do Prêmio Nobel de Literatura para Mo Yan gerou uma série de analises e debates. Para Além das “afinidades selecionadas” pelo escritor chinês, que tem por referência Gabriel García Marquez e William Faulkner... e as comparações entre ele e Franz Kafka, o que fica claro é que Mo Yan representa um caso único de paradoxos, desses que podem (e geralmente) surgem na história da luta de classes, das revoluções e contrarrevoluções... e alguns fenômenos aberrantes: O autor de “Sorgo Vermelho” não somente foi integrante do chamado exército popular de Libertação – sustentáculo fundamental do regime do Estado Operário Deformado que surge com a revolução de 1948-49 e que, desde 1978, com Deng Xiao Ping, se “abriu” decididamente para a restauração capitalista-, mas também, como escritor, relatava a dura vida dos camponeses, trabalhadores, jovens e velhos sob o regime burocrático... que ele mesmo sustentava como integrante das forças armadas!

Como se não bastasse, o principal fato que demonstra que Mo Yan é um artista “oficialista” – para além da sua permanência como professor de Literatura na Academia das Forças Armadas – ocorreu esse ano quando integrou o rol de 100 escritores que comemoraram a intervenção de Mao Tse-Tung sobre a arte durante o “ Forúm de Yenan” em seu 70º aniversário... copiando a mão os discursos do “grande líder” sobre “como a arte deve servir ao comunismo”.
O que disse Mao, precisamente ali, em 1942? Várias coisas: que os artistas não deveriam experimentar e nem desenvolver sua livre criação sob pena de ficarem “isolados do povo”, por que seguramente as massas não entenderiam “as expressões bizarras inventadas pelos artistas e completamente alheias ao uso popular”, que os artistas deveriam, ao contrário de qualquer experimentação e/ou introspecção, gerar obras “explicitamente políticas”, que auxiliem na luta contra o imperialismo (em particular contra o Japão); e que Leon Trotsky, assassinado por um agente stalinista no México dois anos antes, tinha um “duplo padrão” para discutir (a sempre tensa) relação entre arte e política. Dizia Mao: “Opor-se a esta subordinação (a dos artistas ao partido) conduzirá, com certeza, ao dualismo ou pluralismo, ou seja, em sua essência, ao que defendia Trotsky: Na política: marxista, na arte, burguês”.

Com esta manipulação (ou “dirigismo”) na arte fica claro que Mao propôs (e impulsionou) um “utilitarismo revolucionário proletário”(?) que reivindicou, lamentavelmente, o célebre “realismo socialista” de tipo stalinista, que disciplinou os artistas e atacou a política de Trotsky.

Discutindo contra uma suposta “cultura e arte proletária”, a respeito de que no período pós-revolucionário na Rússia não somente os operários faziam arte, mas também todo tipo de “escolas” e correntes de artistas, tanto “vanguardistas” como “tradicionais”, Trotsky diz: “Quer dizer que o partido, contrariamente a seus princípios, tem uma posição eclética no terreno artístico? Esta ideia, que parece tão convincente, é extraordinariamente pueril. O marxismo pode servir para valorar o desenvolvimento da nova arte, estudar a suas fontes, valorizar as tendências progressistas por meio da crítica, mas não se pode exigir mais do que isso. A arte deve abrir seu próprio caminho. Seus métodos não são os do marxismo. O partido dirige o proletariado, mas não dirige o processo histórico. Há terrenos em que dirige de modo direto e imperativo. Há outros em que vigia e fomenta. E outros, finalmente, em que se limita a dar diretrizes. A arte não é uma matéria na qual o partido deva dar ordens”.

Em definitivo, Trotsky sabia distinguir, por um lado, na dialética do desenvolvimento histórico das classes, a ascensão da burguesia, que através de três séculos se impôs via um imponente avanço material e espiritual (na economia e na ciência, na filosofia e na arte) contra o obscurantismo feudal da ascensão, por outro lado, da classe trabalhadora. Esta deve, com prioridade, alcançar o poder político (por meio da estratégia e das táticas políticas do marxismo), para, a partir dali, revolucionar as relações econômicas (e sociais); e logo, depois de um período de assimilação da arte e da cultura do passado, abrir um novo período de florescimento artístico, agora sem conotação de classe: uma arte social (“universal” se quisermos), que todos/as possam criar e desfrutar livremente. Nas palavras de Trotsky: “O partido defende os interesses históricos da classe trabalhadora em seu conjunto. Prepara o terreno conscientemente, passo a passo, para uma nova cultura, e nesse sentido, para uma nova arte”; e esta surgirá, depois da tomada do poder político, por meio da liberdade de tendências e correntes artísticas, depois de um período de transição e consolidação da revolução operária (e da paulatina extinção do Estado), não somente na escala nacional, mas também internacional.

Em definitivo, a política de Mao condicionou (ou diretamente eliminou) a liberdade dos artistas no marco de um regime burocrático onde o Estado operário carecia de democracia de massas, soviética. A política do escritor Mo Yan foi (e é) funcional a burocracia restauradora do capitalismo na China. E a política de Trotsky se mantem vigente: é a que melhor soube captar os anseios, as experiências passadas e a poderosa perspectiva do socialismo e do comunismo de maneira autenticamente revolucionária. Esta política, que ele manteve consequentemente até sua morte, foi o que levou a confluir com o fundador do surrealismo, André Breton, e a propor, no Manifesto por uma arte revolucionária independente, assinado também pelo artista Diego Rivera, na obscura noite do stalinismo e do nazismo, pouco antes de começar uma nova guerra imperialista-Segunda Guerra Mundial- a necessidade de uma plena independência da arte, para a revolução; e a revolução para conquistar a liberdade definitiva da arte.

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